sexta-feira, 16 de março de 2012

Carta de uma saudade

Você sabe o quanto te amo.
O quanto te amo.
E por que não está aqui comigo?

Passe às vezes para me ver,
Sente e fale da sua vida comigo.
Conte seus segredos, bobagens.
Mas venha me ver.

Não permita que morra ainda
Umas lembranças que nos restaram.
Aquelas tardes de domingo, cansadas.
Outras horas que ficamos em silêncio.

Velhas manhãs geladas,
Conte-me os seus acasos.
Suas mentiras e amores.
Beba no meu copo da água com meus beijos.
Meus desejos ocultos.

Mas não vá agora.
Fale-me dos seus transtornos.
Ponha seu ego nos seus dizeres.
E comente, por acaso,
O meu nome.

Ponha seu ego nos seus atos.
E eu só vejo, atento, seus gestos.
Atue seu choro e suas mágoas.
Mostre-me nos seus olhos os lugares,
O tempo que nos culpou.

Sente e fale do dia brando,
Das costas nuas e a chuva caindo.
E como se fosse ficar para sempre,
Coloque sua imagem sobre a minha.
Deixe-me em silêncio...

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Se eu começar a questionar.

Todas essas pernas apressadas, para onde elas vão? E esses corações descompassados, que lugares eles guardam? E esses olhares curiosos, procuram algo? E os olhares que não vêem, como ficam na escuridão? Sabe o tempo, sabe Deus. Quanto tempo ainda temos para gastar, e quantas palavras ainda vamos dizer, e quantas escadas estão a nos esperar, sabe Deus. E se o relógio atrasar, e se o barulho se perder. Pois bem, para onde vai o passarinho só, que ônibus ele vai pegar?

Chegou o entregador cansado, qual é a sua relação? E o senhor despreocupado, olhando o mapa, querendo ir a algum lugar que não existe. E a moça sorridente achou um sentido para se mandar. E se o tempo parar? E se a criança não achar a mão do seu pai, para onde irá?

Lá vem a velha mulher que me pediu um trocado, que não tem para onde ir. Quanto resta? E os centavos de sua felicidade, como ela vai gastar? E o homem que vende doces, qual a sua relação? O menino que quebrou o braço cuidando do seu cachorro, quer correr, não quer parar. E um homem olhando a parede, procurando o quê? Essas rodas desenfreadas, quantas voltas elas dão? E os ponteiros do meu relógio, que rodam sempre no mesmo lugar?

E esse menino sentado com um cardeno na mão, qual a minha relação? Sabe, Deus, que quase não sei de nada. Minhas pernas apressadas e meu coração descompassado não guardam tantas coisas. Meu olhar curioso não está a procurar. Quanto tempo até meu ônibus chegar? E quando eu cansar de procurar no mapa, não me mando. E se eu não encontrar sua mão, onde vou? Centavos de minha felicidade, quantas voltas eles dão? Sempre que me questiono, sinto que a vida roda sem sair do lugar...

E o que acontece se eu parar de questionar?

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Com vivência.

Vivência:
(latim viventia, -ae)
s. f.
1. Processo ou manifestação de estar vivo. = vida
2. Experiência ou modo de vida.


Conviver:
v. intr.
1. Viver com outro;
2. Ter intimidade.



Você acorda, o dia está escuro. Seu humor não está dos melhores. O colchão e o cobertor parecem bem mais atrativos que o mundo lá fora. O travesseiro então, nem se fala. Mas você é obrigado a levantar, suportar as pessoas que também esperam para te suportar. Sim, conviver é basicamente isso. Um suportando o outro e assim vai. Você sorri, um sorriso amarelo que é retribuído por outro. Você tenta entender por que as pessoas se movimentam, correm, gritam, quando todos também gostariam de estar em seus casulos de lençol, sozinhos e sem conflitos, porque o máximo que podem existir nesse estado é um conflito consigo mesmos.

Mas não, nós adoramos conflitar uns com os outros, adoramos continuar na busca sem fim de entender o próximo, o distante, e assim vai. E você adora questionar os costumes daquele, reclamar do aspecto estranho do outro, a pose desse ali, o gesto de mais um lá. E você gostaria de um manual de instruções das pessoas para que tudo fosse mais fácil, para que você acordasse e sentisse gosto em compactuar com eles. Porque nós somos assim. Nós queremos coisas assim, vai.

Então, eis que você está errado. Nós estamos. As pessoas não são cigarros, que tragamos e tragamos para saciar nossa necessidade de convivência – porque ninguém vive sozinho – e, ao fim, jogamos fora o filtro, que não é mais útil. E depois, no cúmulo de nossa ignorância, pegamos outro cigarro na carteira, que por sua vez terá utilidade, e tragamos, tragamos. Muito menos são remédio com bula, que lemos para saber a quantidade certa da dosagem, para tomá-los com cautela e assim não terem efeitos contrários. Não!

Você não pode substituir pessoas, nem medir o quão participativas elas serão na sua vida. E mais, você não precisa entendê-las.

Eis aqui um bom motivo para acordar e sentir gosto de viver. Procure entender menos dos outros e conhecê-los mais. Procure num sorriso amarelo a certeza que você pode colori-lo. Nós não vivemos sozinhos apenas por essa ser a única saída para solidão. Nós vivemos assim porque temos vontade de explorar o ser humano, seus sentimentos, seus desejos, seus medos, porque não precisamos de manual de instruções nenhum, queremos ser descobridores e, sem termos manuais também, queremos ser explorados. É um desafio, não é? É. E é esse desafio o fio de nossa motivação.

Trague, trague sem fim o delicioso cigarro da nossa convivência. Beba todo o remédio desse presente que são os conflitos e as contradições do ser pensante, pois é isso que move o mundo. Não deixe que viver em conjunto seja apenas outro fardo da vida, e sim o trem que a carrega.

Entender os outros é sempre o primeiro passo para desentendermos com nós mesmos. Conhecer os outros é mergulhar num dia escuro, num mar profundo, onde nunca deveríamos querer voltar à superfície.